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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

GOTA D` ÁGUA

-Joana fala pra Jasão- Pois bem, você vai escutar as contar que eu vou te fazer; te conheci moleque, frouxo, perna bamba, barba rala, calça larga, bolso sem fundo não sabia nada de mulher nem de samba e tinha um puto dum medo de olhar pro mundo As marcas do homem, Jasão, uma a uma tu tirou todas de mim. O primeiro prato o primeiro aplauso, a primeira inspiração a primeira gravata, o primeiro sapato de duas cores lembra? O primeiro cigarro, a primeira bebedeira, o primeiro sarro, o primeiro filho, o primeiro violão, o primeiro refrão, e o primeiro estribilho. Te dei cada sinal do teu temperamento Te matéria-prima para o teu tutano E mesmo esta ambição que, neste momento, se volta contra mim, eu te dei, por engano. Fui eu, Jasão, você não se encontrou na rua Você andava tonto quando eu te encontrei Fabriquei energia que não era tua pra iluminar uma estrada que eu te apontei. E foi assim, enfim, que eu vi nascer do nada uma alma ansiosa, faminta, buliçosa, uma alma de homem. Enquanto eu, enciumada dessa explosão, ao mesmo tempo, eu, vaidosa orgulhosa de ti, Jasão, era feliz, eu era feliz, Jasão, feliz e iludida, porque o que eu não imaginava, quando fiz dos meus dez anos a mais uma sobrevida pra completar a vida que você não tinha, é que estava desperdiçando o meu alento, estava vestindo um boneco de farinha. Assim que bateu o primeiro pé-de-vento, assim que despontou um segundo horizonte, lá se foi meu homem-orgulho, minha obra completa, lá se foi pro acervo de Creonte... Certo, o que não tenho Creonte tem de sobra Prestígio, posição... Teu samba vai tocar em tudo quanto é programa. Tenho certeza que a gota d`água não vai parar de pingar de boca em boca... Em troca pela gentileza vais engolir a filha, aquela mosca morta como engoliu meus dez anos. Esse é o teu preço, dez anos. Até que apareça uma outra porta que te leve direto pro inferno. Conheço a vida, rapaz. Só de ambição, sem amor, tua alma vai ficar torta, desgrenhada, aleijada, pestilenta... Aproveitador! Aproveitador!... (Chico Buarque)

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